terça-feira, 9 de março de 2010

BRUTALITY SHOW

A expectativa é imensa! A previsão é de quase 4 bilhões de pessoas conectadas esta noite. As tentativas feitas pelas autoridades para impedir o programa de ir ao ar ainda preocupam, mas a confiança dos fanáticos é maior. Apesar de inúmeras prisões terem sido efetuadas, e algumas execuções autorizadas em caráter liminar, todos sabem da capacidade dos patrocinadores em corromper o poder central, em nome da liberdade de entretenimento.
Eventos dessa magnitude movimentam milhões de globals, moeda oficial da Comunidade Econômica Mundial, e são levados a êxito através de pequenos subterfúgios jurídicos temporários. Licenças são expedidas de última hora, com base numa antiga jurisprudência americana dos tempos do vaudeville, garantindo o espetáculo. Quando ocorre a cassação dessas ordens, um ou dois dias depois, o objeto já se perdeu.
A programação começa com um show estonteante da banda sensação do momento: os TeenKillers, turma de garotos que se juntou há 3 meses, e estourou instantaneamente em todos as mídias, levando bilhões de adolescentes de todos os sexos à loucura. Eles são recebidos na arena por antigos membros dos BeautyToys, a mania que contagiou o universo durante boa parte do ano de 2053, mas que encerrou tragicamente suas atividades, após um dos componentes acusar o empresário da banda de forçá-los a sessões de orgia assistidas por um seleto grupo de fãs abastados, sem o devido pagamento dos valores combinados.
Os TeenKillers são ovacionados após o seu número, onde desenham com laser, num grande painel holgoráfico, um imenso coração com o nome dos integrantes, que em seguida se transforma num falo gigante, que dança e canta um de seus maiores sucessos. Em seguida os garotos executam o hino mundial, para comoção geral.
A histeria começa a assumir ares preocupantes quando um dos killers afirma estar feliz com seu novo corte de cabelo e muito orgulhoso, embora de luto, por saber que duas garotas de Montreal cometeram suicídio para provar seu amor pela banda. Fãs mais exaltadas acabam sendo contidas apenas com injeções letais. Mas nada parece capaz de diminuir o frênesi que impregna a atmosfera do local.
O wall-projector passa então a mostrar alguns momentos de “Full Circle”, reality show que teve seu ápice na última semana com o nascimento do menino Eksnew. Seus pais foram acompanhados 24 horas por dia desde o jantar em que se conheceram, poucas horas antes da concepção. O casal de sortudos foi escolhido entre bilhões de profiles: ela, uma estudante adolescente de Pequim; ele, um corretor de seguros viúvo de Seattle.
Por votação, o público definiu desde detalhes rotineiros da vida do casal, como cardápio e horários de refeições e relações, até o sexo e o nome da criança, em momentos que atingiram picos de audiência fantásticos. O patrocinador anuncia entusiasmado que o garoto passa bem e que o retorno em massa da audiência propiciou a renovação do contrato, garantindo o programa até o início da idade escolar de Eks - como o garoto ficou conhecido - e a briga judicial pela guarda do menino, após o término do confinamento. Caso o casal continue a união após o fim do programa, serão obrigados a devolver todos os prêmios recebidos, além das perdas e danos por lucros cessantes.
O apresentador surge para informar que todos os recordes de audiência foram batidos, para delírio do público presente à arena. Está na hora da grande atração da noite. O palco começa a se abrir, revelando o campo de batalha e os dois mega telões, ao lado dos quais os líderes das duas equipes estão posicionados para a partida de vídeo game mais aguardada de todos os tempos.
Depois de diversas fases eliminatórias, a final do torneio Battle for Freedom reúne hoje apenas os melhores, os excelentes times de Moscou e Bogotá. Formados por prisioneiros de alta periculosidade sentenciados a morte, e comandados por gênios da informática cumprindo pena por crimes eletrônicos, os dois lados buscam, após meses de treinamento árduo e combates exaustivos, o grande prêmio: a liberdade, exclusiva para a equipe sobrevivente.
Resgatados de seus presídios pelo patrocinador do evento, eles jogam hoje a chance de uma nova vida, com direito a novos documentos e impressões digitais a prova de detectores, além de um valor milionário, não divulgado. O local do evento é mantido em sigilo absoluto, sendo que apenas alguns milhares de privilegiados tiveram acesso à arena, sendo conduzidos por aeronaves particulares, totalmente fechadas para evitar qualquer reconhecimento da região.
O preço dos ingressos gira na casa de dezenas de milhares de globals, mas não é isso que move os organizadores, e sim a presença de público real para garantir mais vibração à transmissão. Ademais, é sabido nos bastidores que o dinheiro gasto pelos magnatas com drogas e prostituição supera em muitas vezes o valor arrecadado com os ingressos.
As regras do jogo são simples: ele só termina quando todos os integrantes da equipe rival estiverem fora de combate e o time vencedor capturar a bandeira adversária. As armas utilizadas são as mesmas para os dois lados, incluindo o mais moderno em tecnologia de guerrilha. Munição e kits de alimentos e primeiros socorros estão espalhados por pontos estratégicos, escondidos entre armadilhas e explosivos, para garantir que os combatentes só os procurem em casos realmente extremos.
Os jogadores têm pequenos chips de comando implantados em seus cérebros, permitindo o controle da estratégia ao líder da equipe, que tem no monitor a visão de todo o campo de batalha por dezenas de câmeras. Se um jogador tenta desobedecer às ordens do líder, este pode forçá-lo através de descargas elétricas de baixa intensidade, e, em último caso, utilizá-lo como isca para atrair o inimigo e ganhar terreno. Esses sacrifícios, chamados gambitos, não são raros, dado o temperamento agressivo dos competidores.
Cada equipe é formada por onze integrantes, sendo que, durante a competição, até onze novas inscrições são aceitas, por conta das baixas ocorridas durante as partidas. O time da Colômbia já não tem mais nenhum membro original além de seu líder, e ainda assim veio para a grande final com apenas 8 jogadores. Os russos, grande favoritos, por outro lado, tem ainda 7 atletas dentre aqueles que iniciaram o primeiro jogo. E, das três substituições feitas, duas aconteceram apenas após a semi-final, disputada contra o fortíssimo time do Rio de Janeiro.
A partida é iniciada com a explosão de uma granada, atada ao pescoço de um cordeiro, no círculo central, uma tradição de tempos menos civilizados, que ninguém mais sabe dizer ao certo a explicação. Uns dizem que os jogadores do antigo leste europeu se excitavam com o cheiro de sangue inocente. Outros alegam que a carne era o troféu das primeiras disputas do gênero, sendo a execução do banquete privilégio do time vencedor, costume que foi se desvirtuando com o passar dos anos.
Agora o público do mundo todo está atento ao campo de batalha e ao placar, já que muitas manobras são tão sucintas e outras tão explosivas, que apenas pelo replay é possível acompanhar todas as baixas. Torcedores de ambos os lados espalhados pelo universo mandam mensagens online que podem ser utilizadas pelos líderes como forma de incentivo ou mesmo tática de combate.
O time russo está mais entrosado e bem preparado, mas os colombianos estão acostumados ao ambiente simulado escolhido para essa final, parecido com uma floresta tropical. Assim, o jogo é parelho, com os dois líderes a princípio realizando apenas manobras de estudo. Um jogo de xadrez entre grandes mestres não seria tão cerebralmente analisado.
Após algumas horas, o jogo é interrompido com gás lacrimogênio, para a apresentação das mensagens dos patrocinadores, além de comentários e dos melhores momentos. Apesar da vantagem numérica inicial dos russos, os sulamericanos equilibraram a disputa com suas táticas de guerrilha na selva, e restam apenas seis competidores para cada lado.
O final da partida promete ser eletrizante...

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